Um artigo publicado no The New England Journal of Medicine – Retinal Injuries from a Handheld Laser Pointer – tem chamado a atenção dos oftalmologistas pelo alerta que faz em relação a um comportamento juvenil, que assim, como o “vodka eyeballing”, pode ser muito prejudicial à visão. O artigo de Martin Schmid, oftalmologista suíço, é um relato de caso sobre um adolescente que sofreu uma lesão ocular muito grave, enquanto brincava com uma caneta laser pointer verde de alta potência.
As canetas a laser são comumente usadas em salas de aula e são consideradas inofensivas e seguras. No entanto, a ponteira a laser pode causar lesões oculares graves, como as que sofreu o garoto de 15 anos, mencionado no artigo. O menino tinha encomendado uma destas canetas pela Internet para usar como um brinquedo: estourar balões, fazer furos em cartões de papel e no tênis da irmã… Vídeos com estes mesmos propósitos podem ser vistos no You Tube: http://youtu.be/1n40HYINEks.
A vida do garoto mudou quando ele estava brincando com a caneta a laser na frente de um espelho para criar um “show de laser”. Foi neste momento que feixes alcançaram seus olhos, por várias vezes. Ele imediatamente percebeu que sua visão ficou borrada, em ambos os olhos. Pensando que a perda visual seria transitória e com medo de contar a seus pais o que havia acontecido, ele esperou duas semanas, até já não poder mais disfarçar seu incômodo visual, até procurar um oftalmologista.
Ao ser examinado, os oftalmologistas perceberam que sua acuidade visual era tão baixa no olho esquerdo que ele só foi capaz de contar os dedos da mão a uma distância de 3 metros. Após os exames clínicos, uma fundoscopia revelou uma hemorragia sub-retiniana densa em sua mácula esquerda e várias cicatrizes redondas minúsculas no epitélio pigmentar da região foveolar de seu olho direito.
Quatro meses após o incidente, a função visual do rapaz permaneceu comprometida, mas melhorou para 20/32 no olho direito, restando apenas uma cicatriz ao lado do centro da fóvea no olho esquerdo, depois de ter recebido uma injeção intravítrea de ranibizumabe. (medicamento empregado no tratamento da Degeneração Macular Relacionada à Idade, problema comum na terceira idade).
Segundo os autores do artigo, as ponteiras a laser vendidas para o público, no passado, tinham uma saída máxima de 5 mW, considerada inócua ao olho humano. No entanto, a caneta a laser que provocou os danos à visão do adolescente tinha uma saída de laser de 150 mW.
O uso de lasers que podem ameçar o olho normalmente é restrito a ambientes profissionais e militares. Acidentes com este tipo de caneta, como o descrito no artigo científico, ainda são raros. No entanto, os oftalmologistas alertam que dispositivos a laser, com uma potência de até 700 mW, são facilmente comprados pela Internet. Numa pesquisa rápida em sites brasileiros é possível comprovar tal fato. Há registros de canetas, como a que provocou o acidente, com até 300 mW, ou seja, lasers de alta potência estão sendo comercializados como se fossem apenas “laser pointers”, produtos menos potentes. E além das canetas, os sites oferecem espadas a laser e outros dispositivos eletrônicos de alta potência como se fossem brinquedos.
“Os consumidores destes produtos são, na verdade, vítimas potenciais destes ‘brinquedos perigosos’, pois não conseguem distinguir se um determinado laser é inofensivo ou perigoso à visão. E pela proliferação destes produtos na Internet, poderão ser registrados, num futuro próximo, muitas outras lesões oculares como a descrita no artigo de Martin Schmid”, avalia o oftalmologista Virgilio Centurion, diretor do IMO, Instituto de Moléstias Oculares.
Efeitos danosos à visão
Como as luzes domésticas, os lasers são medidas em watts, mas a semelhança termina aí. Uma lâmpada incandescente de 100 watts produz cerca de cinco watts de luz visível, o laser de cinco miliwatts é apenas um milésimo tão poderoso. Mas a luz de uma lâmpada é difusa e a de um feixe de laser está concentrada, portanto, o efeito de cinco miliwatts no olho é 10.000 vezes mais intenso.
“A forma como o olho focaliza intensifica a atuação do laser. A luz verde entra e vai direto para a fóvea, o centro da retina. O pigmento mais escuro na fóvea absorve a luz como o calor: rapidamente, elevando a temperatura da retina”, explica o oftalmologista Eduardo de Lucca, que também integra o corpo clínico do IMO.
Segundo o médico, o grande perigo do manuseio indiscriminado deste tipo de objeto é que o laser de alta potência dá ao ser humano menos tempo para desviar o olhar antes que a lesão ocorra. “E quanto mais potente for o laser, mais danos oculares são causados em microssegundos”, diz Eduardo de Lucca.
“Não temos visto, ainda, uma epidemia de lesões provocadas pelas canetas a laser, no Brasil, mas com a circulação indiscriminada deste objeto, principalmente, entre crianças e adolescentes, é preciso fazer o alerta sobre este potencial perigo aos pais e educadores”, conclui o oftalmologista.