Uma política governamental capaz de reduzir o tempo de espera pela cirurgia de catarata beneficiaria o paciente idoso? Esta é a pergunta que a pesquisadora Dra. Ellen Freeman, professora de Oftalmologia da Universidade de Montreal, em Quebec, faz aos leitores na revista Eurotimes de outubro deste ano. A publicação é editada pela ESCRS, Sociedade Européia de Catarata e Cirurgia Refrativa.
A resposta vem de diversos estudos canadenses – um deles conduzidos pela própria Dra. Ellen Freeman – que acompanharam grupos de pacientes, antes e depois da introdução da nova legislação do Governo canadense, instituída em 2004, que diminuiu de um ano para seis meses (às vezes menos) o tempo de espera pela cirurgia de catarata. O procedimento representa o maior volume de cirurgias naquele país, chegando a 200.000 operações por ano. A maioria das cirurgias é feita em pacientes com mais de 65 anos de idade.
No Canadá, as pesquisas revelaram que esta redução no tempo de espera pela cirurgia de catarata refletiu-se em benefícios para a saúde pública. Os estudos apontaram que os pacientes idosos que demoraram menos a operar, apresentam menos perdas visuais e melhora da acuidade visual. Os resultados do grupo de pacientes operados, entre 2006 e 2007, foram mais animadores: além de uma redução de tempo de 6,1 meses para 4,7 meses, estes pacientes atingiram a melhor função visual registrada após a vigência da nova lei.
O prazo menor de espera pela cirurgia também foi relacionado ao menor número de acidentes causados por problemas de visão na terceira idade. Um dos estudos investigou se durante o período de espera pela cirurgia de catarata, o paciente havia sofrido algum tipo de acidente provocado pelo seu problema de visão. No grupo que esperou mais pela cirurgia, quedas, acidentes com automóveis e até mesmo casos de queimaduras foram registrados pelos pesquisadores.
No Brasil
No Brasil, não dispomos de informações precisas sobre quanto tempo um paciente espera por uma cirurgia de catarata. Mas as estimativas não são nada animadoras, pois apontam que o tempo médio para se realizar essa cirurgia pelo Sistema Único de Saúde, SUS, é de um a dois anos. Dados do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, CBO, revelam que cerca de 350 mil brasileiros aguardam na fila por uma cirurgia de catarata.
Números do Departamento de Alta e Média Complexidade da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde revelam que dentre as principais causas de cegueira que acometem os idosos, está a catarata, responsável por cerca de 47% dos casos no Brasil. Realizamos, em média, entre 450 e 480 mil operações por ano, enquanto seriam necessárias 580 mil cirurgias. “Esses números representam um grande desafio social para o Brasil. Estamos oferecendo aos nossos idosos as mesmas oportunidades que o Governo canadense oferece à sua população? Serão necessárias políticas sociais adequadas aos idosos, com soluções que não os excluam dos sistemas de saúde. Prevenir o aparecimento e o agravamento dos problemas visuais é de fundamental importância na velhice. Muitas das fraturas de cabeça do fêmur em pessoas idosas costumam estar associadas ao fato delas não estarem enxergando bem ao andar nas ruas, ao subir ou descer calçadas e escadas”, defende o oftalmologista Virgilio Centurion, diretor do IMO, Instituto de Moléstias Oculares.
Hoje, envelhecer com autonomia requer uma boa visão e uma boa audição. “Por isto, a cirurgia de catarata estará indicada a partir do momento em que o portador de catarata perceber que já não desfruta de uma visão adequada para realizar suas tarefas de forma segura”, explica o oftalmologista, que também integra a ALACCSA, Associação Latino-Americana de Cirurgiões de Córnea, Catarata e Cirurgias Refrativas. No idoso, a diminuição da capacidade visual geralmente se deve a doenças oculares crônicas que vão diminuindo a visão de maneira progressiva. Problemas oftalmológicos também estão associados a altas taxas de depressão e a dificuldades para a realização das atividades diárias.
Até 25 anos atrás, a catarata era tida como algo inerente ao envelhecimento. “Idosos teriam que conviver com ela de alguma maneira, bem ou mal… ”, afirma o oftalmologista Virgilio Centurion. A facectomia intracapsular era a técnica cirúrgica mais empregada em todo o mundo para a remoção da catarata. A cirurgia exigia pelo menos sete dias de internação hospitalar. “E a restauração visual se completava após um mês da cirurgia, com a prescrição de óculos especiais que provocavam a distorção das imagens e muito medo no paciente na hora de se locomover, pois não garantiam uma percepção real de tempo e espaço”, conta Centurion.
Para evitar os desagradáveis efeitos desta temida cirurgia, os oftalmologistas costumavam esperar a ‘catarata amadurecer’, a doença tinha que alcançar quase o mesmo grau de maturação em ambos os olhos, para que o médico os operasse com o menor intervalo possível. Se a catarata fosse unilateral, nem era operada devido ao pós-operatório conturbado.
Este cenário complicado e desesperançoso para os pacientes idosos que eram portadores de catarata começou a ser transformado com o surgimento da facoemulsificação, em 1967. Após um período de desconfiança, a comunidade oftalmológica começou a aceitar a nova tecnologia e seus conseqüentes benefícios para médicos e pacientes. E o ciclo de boas novas se completa a partir de 1977, com o advento das lentes de Shearing e Sinskey, com elas, o tratamento da catarata deu um salto qualitativo. “A segurança dos ‘então modernos implantes intra-oculares’ propiciou que mais pacientes pudessem ser beneficiados com a cirurgia”, diz o diretor do IMO.
“Como reflexo destes avanços, nos dias de hoje, tanto faz se a catarata afeta apenas um dos olhos ou ambos, se a doença está em diferentes estágios de maturação nos dois olhos, pois os implantes corrigem este problema”, explica Virgilio Centurion. Hoje, para tratar a catarata, o oftalmologista precisa fazer um minucioso estudo sobre a vida do paciente, a terapêutica é completamente personalizada. “É preciso planejar a cirurgia de catarata individualmente. A acuidade visual é devolvida ao paciente de acordo com o seu estilo de vida. Para um paciente portador de catarata que não desenvolve rotineiramente atividades de cunho intelectual, oferecemos uma solução, um tipo de implante ocular, após a remoção da catarata. Para outro que necessita dirigir à noite e ainda mantém um ritmo de trabalho intenso com uso do computador, pensamos em outro tipo de implante”, explica o oftalmologista.
A cirurgia de catarata, que antes se restringia a devolver a ‘visão possível’ aos pacientes, hoje, evoluiu para se tornar um procedimento que tenta libertá-los também do uso de óculos após a cirurgia. “Procuramos restaurar a visão, com o implante das mais diversas lentes intra-oculares, se possível de imediato, e sem necessidade de lentes oftálmicas após a cirurgia”, afirma Virgílio Centurion.