
Pense em alguém que você conhece que tem glaucoma, uma doença ocular comum e importante causa de cegueira no mundo. As chances de que essa pessoa seja um idoso são grandes, pois o glaucoma afeta mais de 2,2 milhões de americanos com mais de 40 anos de idade, com a maior incidência de casos a partir dos 70 anos ou mais.
Apesar das dificuldades para realização de estudos epidemiológicos em nosso país, a Sociedade Brasileira de Glaucoma aponta cerca de 900.000 portadores da doença no Brasil, provavelmente, 720.000 são assintomáticos.
Dentre os fatores de risco conhecidos para a doença, a idade é responsável pelo aumento considerável da incidência e da prevalência de glaucoma.
1 a cada 10 mil bebês nascem com glaucoma congênito
Pode ser uma surpresa, então, saber que cerca de 1 em cada 10.000 bebês nascem com glaucoma, segundo a Academia Americana de Oftalmologia. “Embora incomum, o glaucoma congênito é um grave problema médico. O diagnóstico e o tratamento precoces oferecem a melhor esperança de prevenir a cegueira.
No Brasil, não temos dados precisos sobre a incidência e a prevalência do glaucoma na infância. Tal ausência de dados epidemiológicos é determinada pela subnotificação dos casos e pelo fato de as famílias migrarem para os grandes centros em busca de tratamento”, afirma o oftalmologista Virgílio Centurion (CRM-SP 13.454), diretor do IMO, Instituto de Moléstias Oculares.
Conversamos com a especialista em glaucoma do IMO, a oftalmologista Márcia Lucia Marques (CRM-SP 110.583) sobre o glaucoma na infância. A médica destacou a importância do diagnóstico precoce da doença e do tratamento em centros oftalmológicos apropriados. Confira:
O que é o glaucoma congênito?
Márcia Lucia Marques (CRM-SP 110.583) – O glaucoma é uma doença em que o nervo óptico, que liga os olhos ao cérebro é danificado. Este dano pode ser causado pelo aumento da pressão intraocular. É uma doença progressiva que, sem tratamento, irá levar à perda de visão periférica (lateral) e, em última análise, à cegueira.
Glaucoma Primário e Secundário
Quando nenhuma causa específica para a doença é identificada, denominamos a condição de “glaucoma primário.” Quando a doença é resultado de um trauma ocular ou de uma doença sistêmica, denominamos a condição de “glaucoma secundário.” A maioria dos casos de glaucoma na infância é primário, congênito (presente desde o nascimento) ou infantil (desenvolvido entre 1-24 meses de idade). A maioria das crianças com glaucoma é diagnosticada nos três primeiros anos de vida. Alguns casos de glaucoma primário podem ter um componente genético, mas a maioria ocorre em famílias sem histórico de glaucoma congênito.
Por que o tratamento precoce do glaucoma na infância é tão importante?
Márcia Lucia Marques (CRM-SP 110.583) – O prognóstico do paciente sem tratamento é pobre. Em crianças com idade inferior a 3 ou 4 anos, além da perda progressiva da visão, devido aos danos no nervo óptico, o olho com pressão elevada se expande, tornando-se muito grande. Isso não acontece em adultos.
Este alargamento pode conduzir a alterações de refração, alterações na forma e na transparência da córnea e a outras causas secundárias de baixa visão. O distúrbio da imagem enviada do olho para o cérebro da criança irá resultar em ambliopia (“olho preguiçoso”), uma condição em que o olho não consegue desenvolver a visão normal.
Essa condição pode ser permanente se não for tratada de forma agressiva. É por isso que é tão importante que os pais estejam cientes dos sinais de glaucoma na infância.
Quais são os sinais e sintomas de glaucoma infância?
Márcia Lucia Marques (CRM-SP 110.583) – O glaucoma pode ocorrer em um ou ambos os olhos. Enquanto a maioria dos adultos com glaucoma não têm sintomas, bebês e crianças pequenas com glaucoma podem mostrar os seguintes sinais:
- Lacrimejamento excessivo, chamado epífora;
- Sensibilidade à luz;
- Piscar excessivo dos olhos, chamado blefaroespasmo, particularmente diante de luz brilhante;
- Olhos irritados e vermelhos;
- Olhos esbugalhados e grandes, sintoma particularmente perceptível quando o glaucoma ocorre em um olho apenas.
Como é diagnosticado o glaucoma na infância?
Márcia Lucia Marques (CRM-SP 110.583) – Um avanço na detecção precoce do glaucoma pediátrico foi a obrigatoriedade do “Teste do olhinho” em alguns estados e cidades brasileiras.
A verificação da presença de reflexo vermelho no bebê indica a inexistência de doenças que geram opacidades de meio, tais como a catarata congênita, os tumores da infância, as doenças infecciosas, a retinopatia da prematuridade e o glaucoma da infância, quando se apresenta com alterações da córnea, como o edema.
Em 2010, a Agência Nacional de Saúde (ANS) reconheceu a necessidade de incluir este exame na rotina das maternidades privadas do Brasil. No entanto, o glaucoma pediátrico de manifestação neonatal corresponde somente à minoria dos casos.
Dentre os glaucomas congênitos primários, apenas 25% deles se manifestam no período do pós-parto imediato, e, portanto, podem ser detectados pelo teste. Nos demais, os sintomas surgem até os três anos de idade. Assim, passado o período neonatal, cabe ao pediatra, à família e ao oftalmologista observarem mudanças na transparência e/ou diâmetro corneano, tarefa nem sempre fácil.
Como o diagnóstico do glaucoma é feito em crianças?
O diagnóstico do glaucoma é feito por meio de exame dos olhos da criança, medindo sua pressão ocular.
O exame de visão em uma criança muito pequena ou em um bebê pode ser um pouco difícil, em comparação a um adulto. O oftalmologista pode realizar algumas partes do exame no consultório, mas se surgirem muitas dificuldades, pode recorrer à anestesia e examinar a criança na sala de cirurgia.
Isto permite um exame mais controlado para verificar a pressão no interior do olho, com a dilatação da pupila para análise do nervo óptico.
Como o glaucoma na infância é tratado?
Márcia Lucia Marques (CRM-SP 110.583) – O objetivo do tratamento do glaucoma consiste em reduzir a pressão no interior do olho para um nível normal, visando proteger o nervo ótico de danos permanentes.
Enquanto os colírios são o tratamento preferencial para os adultos, eles são mais difíceis de usar e causam mais efeitos colaterais em crianças. Assim, o glaucoma em lactentes e crianças mais novas é quase sempre tratado com cirurgia para reduzir a pressão intraocular.
Diversos procedimentos cirúrgicos diferentes estão disponíveis, tais como as cirurgias de trabeculotomia e de goniotomia. Muitos pacientes precisam de mais de uma cirurgia e outros necessitam de tratamento, cirurgia e medicação para atingir uma faixa normal de pressão no olho.
Quais os exames após diagnosticado o glaucoma na criança?
Após o diagnóstico do glaucoma e da primeira intervenção cirúrgica, a criança necessitará, em média, mais três exames realizados sob narcose no primeiro ano, seguidas ou não de outros procedimentos.
Essas narcoses visam avaliar o controle do glaucoma, por meio da tonometria, biometria, medida do diâmetro corneano, gonioscopia e avaliação e documentação do disco óptico. Caso o descontrole seja observado, será realizada nova cirurgia no sítio não tratado, revisão da cirurgia filtrante ou nova cirurgia filtrante, no mesmo ato anestésico.
Nos anos subsequentes, mais duas narcoses/intervenções podem ser realizadas até aproximadamente os três ou quatro anos. Essa é a primeira parte do tratamento.
A segunda parte envolve a reabilitação visual para evitar a ambliopia porque a visão não necessariamente se normaliza por si só após a cirurgia, devido à forma como a pressão ocular elevada pode alterar permanentemente o formato do olho e distorcer a córnea.
A terapia inclui dar às crianças a correção refrativa adequada, ou seja, os óculos certos, assim como ocluir o olho com melhor visão para que a criança use o olho com pior visão por um tempo.
Cuidados e acompanhamento por parte dos pais e da equipe médica são necessários para se obter um bom resultado visual, após a redução da pressão.
O mais importante a saber sobre o glaucoma congênito na infância.
Márcia Lucia Marques (CRM-SP 110.583) – O mais importante é, em primeiro lugar, conhecer os sinais do glaucoma congênito para que um diagnóstico possa ser feito o mais cedo possível, e, segundo, saber onde obter ajuda.
Como o glaucoma pediátrico é um problema médico incomum, o oftalmologista geral, em média, pode ver apenas um caso a cada cinco anos ou mais.
Idealmente, se possível, o melhor é levar a criança a um centro especializado, onde existam profissionais com experiência em glaucoma na infância. Quando um centro assume tratar crianças com glaucoma é necessário que haja disponibilidade de um número adequado de vagas no centro cirúrgico, bem como a existência de uma equipe capacitada, composta por anestesistas, oftalmopediatras e especialistas em glaucoma.
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