A Organização Mundial de Saúde, OMS, estima que no mundo haja 1,4 milhão de crianças cegas. Segundo estimativa do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), o Brasil tem mais de 27 mil crianças cegas e 83 mil com baixa visão. As causas de cegueira infantil são diferentes das causas de cegueira no adulto. O sistema visual da criança encontra-se imaturo ao nascimento. Para que o desenvolvimento ocorra, todo e qualquer problema deve ser corrigido precocemente. “Os olhos das crianças não são uma versão em miniatura dos olhos adultos. Eles respondem de forma diferente ao tratamento, sendo necessário que o oftalmologista esteja adequadamente treinado para lidar com os problemas oculares da infância”, afirma o oftalmologista Virgílio Centurion, diretor do IMO, Instituto de Moléstias Oculares.
De modo geral, mais da metade das crianças cegas do mundo são cegas devido a causas evitáveis: 15% tratáveis e 28% preveníveis. Nos países em desenvolvimento, a proporção de cegueira por causas evitáveis é maior que nos países desenvolvidos. Estima-se que cerca de 50% das causas de cegueira infantil no Brasil são evitáveis, sendo preveníveis (rubéola, toxoplasmose, deficiência de vitamina A ou tratáveis (retinopatia da prematuridade, catarata, glaucoma).
O que pode ser prevenido
– Toxoplasmose
A realização do exame de toxoplasmose faz parte de um conjunto de exames rotineiros de assistência pré-natal. Resultado negativo indicando que a mulher nunca teve contato com o parasita que provoca a doença reflete uma situação de potencial preocupação, porque se ela se infectar durante a gravidez poderá transmitir o parasita para o bebê e a criança nascerá infectada. Nesse caso, é de fundamental importância recomendar que a mulher não vá a lugares frequentados por gatos e não coma carne crua, mal cozida ou mal passada para evitar que adquira a infecção durante a gravidez.
Os problemas que a toxoplasmose pode causar ao bebê variam de acordo com o trimestre da gravidez em que ocorre a infecção materna. No primeiro trimestre, se a mãe está com a doença ativa e há a transmissão para o bebê, os perigos são maiores. A criança pode ter encefalite e nascer com as seqüelas da doença, ou apresentar lesões oculares cicatriciais e prejuízo importante da visão, dentre outras consequências.
É bem verdade que, nesta fase, não é incomum o abortamento espontâneo tal o tamanho dos danos que o parasita provoca no feto. De qualquer maneira, nesse período, a probabilidade de transmissão para o embrião é menor, não ultrapassa a 10%, 20% dos casos.
Já no segundo trimestre, a transmissão ocorre em 1/3 das gestações em que a mãe apresenta a doença ativa, mas o feto consegue conviver razoavelmente com as agressões do parasita que serão mais atenuadas, embora possam ocorrer nascimentos com pequeno retardo mental e problemas oculares, por exemplo. No terceiro trimestre, a transmissão da mãe para o feto é muito comum, mas a doença se mostra menos danosa para o recém-nascido.
– Rubéola congênita
Do ponto de vista epidemiológico, a rubéola não é uma doença grave para a pessoa que adoece. “Sua periculosidade aumenta quando a pessoa que adoece é uma mulher grávida, porque o bebê tem uma grande probabilidade de nascer com a síndrome de rubéola congênita, que pode provocar cegueira, problemas cardíacos e, ainda, uma série de outros problemas nos órgãos internos da criança”, afirma a oftalmopediatra do IMO, Maria Carrari.
No Brasil, a rubéola é a maior responsável por casos de cegueira em recém-nascidos. Em países do Primeiro Mundo, a maior causa é genética. A vacinação contra a rubéola é a medida preventiva para evitar o surgimento da doença, principalmente durante a gravidez. “Adquirida nos três primeiros meses de gestação, a rubéola pode causar má-formação e catarata congênita no recém-nascido, o que justifica o cumprimento do programa de vacinação específico”, defende a oftalmologista. Para erradicar a rubéola e a síndrome da rubéola congênita é preciso vacinar mulheres e homens. “Se a população masculina não for vacinada contra a rubéola pode ficar como um reservatório desse vírus”, explica Maria Carrari.
– Deficiência de vitamina A
A vitamina A é um micronutriente essencial para diversos processos metabólicos, como a diferenciação celular, o ciclo visual, o crescimento, a reprodução e o sistema imunológico. Apresenta especial importância durante os períodos de proliferação e rápida diferenciação celular, como na gestação, período neonatal e infância.
A deficiência de vitamina A, DVA, é uma doença nutricional grave e uma das mais freqüentes causas de cegueira prevenível em crianças, além de contribuir para o aumento das mortes e doenças infecciosas na infância. “A falta de vitamina A provoca a queratose – pele áspera e seca – e pode levar à xeroftalmia, cuja forma clínica mais precoce é a cegueira noturna por meio da qual a criança não consegue boa adaptação visual em ambientes pouco iluminados. Uma das manifestações mais acentuadas da xeroftalmia é a mancha de Bilot. O problema pode levar à cegueira total e irreversível”, explica a oftalmologista.
Estima-se que 10 a 20% das gestantes sejam acometidas pela cegueira noturna, sintoma da deficiência de vitamina A, e que a mesma se associe com risco cinco vezes maior de mortalidade materna nos dois anos pós-parto. Além disso, as gestantes com cegueira noturna e DVA parecem estar mais predispostas às intercorrências e complicações gestacionais, tais como aborto espontâneo, anemia, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, náuseas, vômitos, falta de apetite e infecções do trato urinário, reprodutivo e gastrointestinal. Neste contexto, a suplementação de gestantes que apresentam esta carência nutricional, vem cada vez mais, ganhando espaço durante a atenção pré-natal.
O que deve ser tratado em tempo
– Catarata infantil
Mundialmente, a catarata congênita tem uma incidência de 0,4% ou 1 caso para cada 250 neonatos. No Brasil, esse tipo de catarata é uma das causas mais freqüentes de cegueira na infância, respondendo por uma incidência de 5,5 a 12%. “Por ser uma causa comprovada de cegueira infantil e por requerer diagnóstico precoce e tratamento cirúrgico imediato, a catarata congênita merece a atenção dos profissionais de saúde envolvidos no momento do nascimento do bebê”, diz Virgílio Centurion.
O principal sintoma da catarata congênita, bem como o de qualquer tipo de catarata, é a perda progressiva da acuidade visual podendo chegar à cegueira total, por evolução na opacificação do cristalino. “A principal alteração na visão infantil devido à catarata é a ambliopia, uma lesão irreversível decorrente da não-maturação sensorial das vias ópticas por falta de estímulo luminoso adequado. Outro sintoma que pode ocorrer pelo inadequado estímulo luminoso é o nistagmo, movimento oscilatório e/ou rotatório do globo ocular”, alerta o médico.
O tratamento da catarata congênita deve ser o mais precoce possível e dependerá de diversos fatores: localização e intensidade da opacificação; grau de deficiência visual ocasionado; alterações oculares associadas e a idade da criança. “O tratamento de cataratas parciais que dificultam pouco a visão do paciente pode ser realizado com colírios midriáticos, oclusão e óculos especiais para melhorar a acuidade visual”, explica o oftalmologista. Nos casos de catarata total ou parcial com baixa acuidade visual, a cirurgia deve ser realizada o mais cedo possível (no máximo, antes de 12 semanas de vida). “O tratamento dentro do menor tempo possível evita a instalação de ambliopia irreversível”, diz Virgilio Centurion.
A cirurgia de catarata congênita pode ser feita por meio da técnica de facomulsificação com ou sem implante de lente intra-ocular. Com a cirurgia, a capacidade de acomodação do cristalino é perdida, obrigando a correção da visão de perto com lentes especiais. “O implante de lentes intra-oculares é o procedimento preconizado em crianças maiores de dois anos”, explica o oftalmologista.
– Glaucoma congênito
Crianças que nascem com os olhos embaçados ou muito grandes, que têm fotofobia intensa, que evitam abrir os olhos no sol ou não gostam de claridade e cujos olhos lacrimejam muito precisam ser avaliadas por um oftalmologista. Estes sinais podem ser indícios de glaucoma congênito. Esta é uma patologia rara, transmitida por herança genética e está relacionada às alterações no desenvolvimento ocular presentes no nascimento. “Deve-se realizar o diagnóstico o mais precocemente possível, pois sabemos que o prognóstico visual é melhor quando o tratamento é realizado nas fases iniciais da doença”, defende a oftalmologista. O diagnóstico e o tratamento do glaucoma congênito precoces podem evitar que as crianças fiquem cegas ainda no primeiro ano de vida.
A aquisição do conhecimento sobre a importância da hereditariedade é muito importante para alertar descendentes sobre o risco de desenvolver o glaucoma. “O glaucoma é uma doença de caráter hereditário, e por isso em famílias de portadores de glaucoma há a necessidade que todos façam os exames preventivos”, explica a oftalmologista. O diagnóstico precoce e o tratamento do glaucoma congênito podem curar 90% dos bebês que nascem com esse problema.
– Retinopatia da prematuridade
“A retinopatia da prematuridade, provocada pela falta de circulação sanguínea na retina, é hoje a segunda causa de cegueira infantil no País, só perdendo para o glaucoma congênito. Afeta cerca de 30% dos prematuros e, desses, 8% tendem a ficar cegos”, afirma a oftalmopediatra Maria Carrari. Quanto menor a idade gestacional e menor o peso do prematuro, mais severa será a retinopatia, que também causa miopia e hipermetropia. “Por isso é fundamental que haja diagnóstico e tratamento precoces”, reforça Carrari.
O primeiro exame oftalmológico do prematuro deve ser realizado entre quatro e seis semanas de vida, ou seja, ainda na UTI neonatal. “Nos casos em que a doença evoluir está indicado o tratamento com laser ou crioterapia na área onde ocorre insuficiência de irrigação sangüínea. Se a doença for diagnosticada em estado avançado, já com descolamento da retina, será necessária uma cirurgia mais complexa, mas nem sempre os resultados são bons”, informa a médica.